
As mudanças climáticas e os sinais da natureza
- Rachel Castanheira
Créditos: acervo pessoal – São Paulo - SP
As ondas de calor experimentadas nos últimos anos têm suscitado debates literalmente calorosos entre os especialistas climáticos (e também entre o público em geral). Alguns argumentam que o incremento da temperatura apurado nos últimos anos se trata somente de um fenômeno cíclico passageiro (El Niño e La Niña seriam os “culpados” por estas mudanças passageiras do clima). Outros dizem que o aquecimento global é estrutural, isto é, trata-se de uma realidade e, se nada mudar rapidamente, vivenciaremos um cenário climático catastrófico. Quem está certo? Devemos nos ater “somente” à questão do aumento da temperatura ou a natureza está emitindo outros vários sinais, mostrando que há uma mudança em curso sem precedentes?
Conversando com especialistas e também com colegas paisagistas, tenho notado que não há um consenso sobre o aquecimento global. Apesar de estarmos experimentando temperaturas mais elevadas ano a ano (vide gráfico acima), muitos ainda argumentam que esta elevação é passageira e que já já a temperatura irá baixar. Inclusive alguns, baseados, supostamente, em estudos de alguns cientistas, têm argumentado que a temperatura irá baixar e não subir. Isto é, há uma tendência de desaquecimento e não de aquecimento (apesar das medições, até o momento, mostrarem o contrário).
Diante de olhares tão contraditórios, parece-me que nós, seres humanos, acabamos ficando presos na inércia da zona de conforto. “Já que não há um consenso entre os próprios especialistas, quem sou eu para questionar alguma coisa? Melhor continuar vivendo a minha vida, pois, no final do dia, tenho contas a pagar. E é isso que importa.” E assim seguimos. Nos separando da natureza e de todos os sinais apresentados por ela, dia a dia, acreditando que isto não nos diz respeito. Em outras palavras, apesar de dizermos o contrário, perdemos, literalmente, a capacidade de enxergar e perceber que a natureza não está separada de nós, humanos. Somos parte dela. E, ao nos distanciarmos dela, estamos nos distanciando de nós mesmos.
Crédito: Pixabay
O aumento da temperatura e a formação de bolhas de calor nas cidades (e no campo também) não deveriam ser negligenciados, incluindo também o incremento da amplitude térmica (aumento das temperaturas extremas). Elas impactam a vida de todos nós que habitamos a Terra – animais, plantas, bactérias, vírus e seres humanos. E mesmo que não haja um consenso sobre esta questão, ao pesquisar o assunto de maneira mais rigorosa, é possível afirmar, sim, que ano a ano a formação de bolhas de calor e o aumento da temperatura nas grandes cidades têm sido uma realidade. Se no futuro esta tendência se reverterá, esta é uma outra questão (vários indicadores indicam que esta possibilidade é pouco provável, e que este fenômeno de redução das temperaturas pode acontecer em áreas isoladas, mas não na maior parte do planeta).
Ademais, acredito que seja muito importante não nos atermos somente à questão da temperatura, pois lendo diversos relatórios e livros de especialistas e também trabalhando com paisagismo há mais de uma década, é possível afirmar, categoricamente, que há outras diversas mudanças estruturais em curso que são inegáveis. A despeito da discussão (e controvérsias) a respeito do aumento da temperatura, há outros muitos indicadores e sinais que a natureza está emitindo e que são contundentes: estamos destruindo o meio em que vivemos. Em outras palavras: estamos nos autodestruindo.
Crédito: Pixabay
Para elucidar o parágrafo anterior, listarei abaixo uma série de informações e indicadores que corroboram a visão de que há algo muito sério em curso e que, se nada for feito, as condições de vida nos próximos anos serão muito distintas das atuais (no caso, mais desafiadoras).
Crédito: Pixabay
1 – Extinção de milhares de espécies de plantas e animais nas últimas décadas, com aceleração deste movimento nos últimos anos;
2 – Redução da área verde e das reservas florestais em todo o globo (ano a ano);
3 – Poluição dos oceanos, incluindo o despejo de milhões de toneladas de plástico anualmente;
4 – Contaminação dos rios e aumento das áreas secas (semidesérticas) em diversas regiões do planeta;
Crédito: Pixabay
5 – Aumento do número de incêndios e queimadas mundo a fora (ano a ano);
6 – Descongelamento das calotas polares...
Coloquei propositalmente reticências no final do último tópico, pois a relação é muito mais extensa. Os sinais são claros. A meu ver, inquestionáveis. O meio natural, o que inclui nós, humanos, está passando por mudanças estruturais e estas modificações impactarão as diversas inter-relações existentes em Gaia.
Sair da inércia e encarar esta realidade talvez seja uma das atitudes mais corajosas que podemos realizar neste momento. Perceber que esta questão é muito séria e requer o envolvimento de todos nós. Literalmente. Somos 8 bilhões de humanos e as pequenas escolhas do dia a dia podem fazer uma grande diferença. Encerrarei este texto, listando algumas delas abaixo, porém, há muitas iniciativas possíveis e precisamos, sim, dialogar mais sobre isso:
1 – Reflexão sobre os hábitos de consumo pessoal e a identificação do consumo como sentido de vida;
2 – Verificação da origem dos alimentos e métodos de produção;
3 – Aprofundamento sobre temas, tais como: sustentabilidade, agrofloresta regenerativa, agrofloresta sintrópica, reutilização de materiais, economia circular, dentre outros diversos;
4 – Dedicar mais atenção ao autoconhecimento, pois muitos hábitos de consumo estão relacionados com a desatenção sobre si;
5 – E como não poderia ser diferente, destacarei (por último), como paisagista, o aumento do plantio de árvores e plantas nas cidades, incluindo nas nossas residências (fachadas dos edifícios, jardineiras internas e externas). Neste tópico, destaco a importância de valorizarmos mais os projetos paisagísticos e as políticas públicas que incluem uma maior presença de árvores e plantas. Claro, este item, preciso assumir, tem o viés de uma paisagista falando, porém, ele me parece ser fundamental. Os últimos estudos e pesquisas científicas têm demonstrado a diferença de temperatura, numa mesma cidade, em bairros arborizados x bairros não arborizados. O número é muito significativo – os estudos mostram uma diferença de até 8°C numa mesma cidade.
“Não tenho filhos. Mas com o jardim estou aprendendo lentamente
o que significa o cuidado, a preocupação com o outro.
O jardim tem sido um lugar de amor.”
Byung-Chul Han, estraído do livro Louvor à Terra: Uma viagem ao jardim.