A natureza e o fator tempo

A natureza e o fator tempo


Vive-se num mundo em que a sensação de correria e de afobação está cada dia mais presente na vida cotidiana, pelo menos, para uma boa parte da população. A ideia de que tudo é para ontem e de que não há tempo a perder tem moldado tanto a nossa maneira de pensar, que estamos perdendo a capacidade de contemplar a vida, inclusive de estarmos presentes nas relações (sejam elas quais forem). E na nossa atividade, o paisagismo, essa condição não é diferente. Seja na crescente utilização de plantas artificiais que já estão “prontas” (e no tamanho ideal para a utilização), seja na incapacidade de apreciarmos e respeitarmos o ciclo das plantas vivas, nota-se um olhar de pressa para os projetos, como se os jardins já tivessem que estar “prontos no nascimento”. E que, de preferência, não deem trabalho nenhum para a manutenção. Mas será que isso é possível? Será que não estamos nos esquecendo de que as plantas são seres vivos? E que as mesmas não são estáticas e imutáveis? O que a natureza tem a nos ensinar sobre essa questão da pressa?

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São Paulo – SP – Créditos: Projeto autoral.

No dia a dia da nossa atividade, é possível perceber um crescimento significativo de clientes demandando jardins práticos e, se possível, sem manutenção; ou mesmo, que sobreviva sem água. Ou seja, os clientes querem uma “natureza estática” e, de preferência, que não haja a necessidade de interação e cuidados. Quanto menos trabalho, melhor.

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Créditos: Projeto autoral.

É claro que, como profissionais da área, conseguimos entender esta condição, pois, hoje em dia, o nível de (auto)exigência na atividade profissional está tão elevado, que há uma sensação de falta de tempo para a realização de atividades cotidianas, “básicas”. No entanto, me parece que este olhar pragmático, somente, tem nos afastado ainda mais da natureza e do potencial de troca e aprendizado que existe no convívio com ela.

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Créditos: Projeto autoral.

A impressão de um olhar idealizado para as plantas vivas (de que as mesmas têm que estar no tamanho, cor e formato perfeitos; têm que crescer rapidamente, ou, de preferência, que já sejam plantadas no tamanho ideal) tem impedido, muitas vezes, de reestabelecermos o contato com a natureza, de maneira mais ampla e profunda. Cuidar das plantas é também (re)aprender e (re)estabelecer o contato com o mundo natural.

Colocar plantas e árvores em nossas residências e cidades vai muito além de uma questão estética. Tem um significado existencial, essencial. Somos parte de um sistema vivo, inteligente, cósmico, em que as plantas e animais são coautores principais, juntos a nós, seres humanos. Temos muito o que aprender com a natureza e diria que ela também tem algo a aprender conosco.

Conviver com plantas e árvores, no dia a dia, traz, potencialmente, a lembrança da importância do ritmo natural. A natureza nos ensina que tudo tem seu tempo...

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São Paulo – SP – Créditos: acervo pessoal.

Há plantas que em pouco tempo crescem muito e outras demoram anos para crescer poucos centímetros.

Tem períodos em que as plantas caducam, entrando em hibernação. As folhas caem, e a planta fica, literalmente, pelada - só permanecendo a estrutura da planta, com os galhos. Passado o período de hibernação, novas folhas nascem e, posteriormente, as flores. Ciclo que se renova a cada período.

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São Paulo – SP – Créditos: acervo pessoal.

Há outras plantas que somente florescem uma vez ao ano, sendo que o tempo de permanência das flores é curto. E aí, temos que esperar que o novo ciclo se reinicie.

Muitas das vezes, acabamos traçando o modelo de perfeição para a planta, deixando de perceber a beleza dela em todas as fases. Cada galho e cada folha têm sua cor, textura, exibindo formas e tamanhos diferentes. Sempre respeitando o fator tempo.

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São Paulo – SP – Créditos: Projeto autoral.

Como paisagista, é parte do nosso trabalho pensar nos ciclos das espécies que utilizamos nos projetos e buscar compor os jardins de tal maneira que o conjunto das espécies traga uma estética condizente com o ambiente e com os anseios dos clientes. No entanto, é importante destacar que a natureza é dinâmica e possui o seu próprio ritmo. Podemos interferir, visando acelerar os ciclos dos jardins, porém, há limites que devem ser considerados e respeitados.

Trazer plantas para os ambientes residenciais, comerciais e urbanos é um processo vital, a meu ver, para nos reconectarmos com a natureza no dia a dia. E (re)aprender que cada instante da vida é único.  Neste sentido, a natureza é uma professora-mestre.

“Poderia se tornar ótimo negócio se começássemos a usar plantas não só pelo que elas produzem, mas também pelo que podem nos ensinar.” Stefano Mancuso (Revolução das Plantas)