A natureza nas cidades

A natureza nas cidades


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Crédito: Acervo pessoal – São Paulo - SP

A cidade de São Paulo, recentemente (Novembro/2023 e Janeiro/2024), foi impactada por uma tempestade e fortes ventos (acima de 100km), o que gerou a queda de energia, em diversas regiões, por um prolongado período. Muitas árvores de grande porte foram derrubadas pelos vendavais e caíram em cima das fiações, impactando estruturalmente a rede elétrica. Milhões de residências ficaram sem energia por mais de 24 horas (algo inusitado até então, dadas as séries históricas de disponibilidade de energia fornecidas pelas empresas do setor e órgãos reguladores). Diante desse fato inesperado, quais reflexões podemos fazer? As mudanças climáticas já são uma realidade e precisamos contemplá-las nos planejamentos das cidades? É possível planejar as cidades de tal maneira que a natureza seja vista como parte integrante das cidades e não como algo separado, “controlado” pela raça humana?

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Crédito: Pixabay

É interessante observar que nós, humanos, somente nos atentamos a diversas questões relevantes, após algum incidente gerador de choque. E, geralmente, respondemos a esses eventos de maneira reativa, construindo raciocínios lineares, baseados na tentativa de estabelecer relações simples de causa-efeito. Utilizando-se da ocorrência citada no início desse texto como exemplo, após o incidente da queda das árvores escutou-se, muito, que o problema central da queda da energia foi causado pelas árvores e, por isso, a prefeitura deveria cortar o maior número possível de árvores, para evitar que essa fatalidade ocorra novamente. E que em alguns locais, inclusive, o número de árvores deveria ser reduzido, para que o risco de novas ocorrências fosse diminuído. Em suma: se as árvores foram as responsáveis pela queda de energia, eliminando-as ou restringindo a sua presença, reduz-se o risco de repetição do problema.

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Crédito: Acervo pessoal – São Paulo - SP

Não seria este pensamento muito reducionista? Como ficariam as cidades sem as árvores? É possível viver numa orbe de pedra, ou melhor dizendo, de concreto, somente?

Como paisagista, costumo refletir bastante a importância da introdução e integração da natureza nas cidades urbanas. O desafio do Paisagismo, em conjunto com as outras diversas áreas (arquitetura, engenharia, planejamento, sociologia etc.), é de repensar os espaços urbanos, de tal modo que a natureza esteja presente, de forma abundante, sem que isso, claro, impeça o planejamento e o desenvolvimento das urbes. O mundo natural (aqui estou nos separando dele, somente por uma questão de linguagem) não deve ser visto como um inimigo do desenvolvimento, mas sim, um aliado.

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Créditos: acervo pessoal SP (14/11/2023)

Stefano Mancuso, um botânico italiano, cientista (e escritor), que tem dedicado a sua vida ao estudo das plantas, comenta em uma das suas obras que as árvores podem desempenhar um importante papel no arrefecimento das temperaturas médias nas grandes cidades (e, consequentemente, no planeta). O autor adiciona que, enquanto os cientistas discutem se um aumento de 1,5°C ou 2°C na temperatura média do planeta gerará um efeito devastador, ocasionando mudanças climáticas sem precedentes, há algo alarmante que já está sendo experimentado nas grandes cidades e que poucos de nós paramos para observar. Dependendo do ano e das características da cidade, nota-se, nos últimos tempos, a formação de ilhas de calor, que acarreta aumentos de até 6,4°C na temperatura média de algumas cidades. Um aquecimento bem acima da média planetária. E, claro, isso tem efeitos devastadores para o ser humano − o número de pessoas que morrem devido às ondas de calor tem crescido nos últimos anos.

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Créditos: acervo pessoal – São Paulo - SP

Repensar o desenvolvimento das cidades é algo crucial, se queremos contribuir para que os nossos filhos e netos ainda tenham condições de habitar este planeta. E isso perpassa pela revisão da nossa maneira de enxergar a presença da natureza nas cidades. Observando as construções dos edifícios e casas, nota-se que o espaço dedicado às plantas (e árvores) ainda é bem reduzido (quando há), pois se enxerga o paisagismo somente como algo paliativo, um custo que deve ser cortado ao máximo, em prol do aumento da taxa de retorno nos projetos. Porém, parece-me que estamos olhando mais uma vez de maneira linear (e obtusa), somente, não enxergando a importância das plantas para o bem-estar dos moradores das residências e habitantes das cidades. Fora a questão da temperatura levantada pelo Mancuso (que é extremamente relevante), estudos recentes demonstram que o contato com a natureza, no dia a dia, aumenta a produtividade das pessoas e também a sensação do bem-estar. Isto é, conviver com as plantas e animais cotidianamente auxilia, e muito, a saúde mental das pessoas. Ademais, também usando o raciocínio numérico que as incorporadoras e construtoras costumam utilizar, as construções que contemplam a presença da natureza, de modo mais abundante, têm, potencialmente, se valorizado mais. O metro quadrado de prédios que adotam um paisagismo estrutural, abundoso, está se valorizando a um ritmo mais acelerado do que a média de mercado.

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Créditos: acervo pessoal – São Paulo - SP

Por fim, voltando à questão levantada inicialmente, será que a solução para os incidentes climáticos nas grandes cidades é reduzir ainda mais a presença das plantas (e da natureza) nas urbes? A minha resposta é um contundente não. Como expus anteriormente, acredito que aumentar a presença da natureza nas grandes cidades é uma necessidade, o que inclui o incremento do número de árvores e plantas nas ruas e nos parques, bem como o acréscimo das áreas verdes nos edifícios (vertical e horizontalmente) e nas casas. A ocorrência recente (queda da energia) na cidade de São Paulo deveria suscitar uma revisão de diversas condições, incluindo como fazemos a manutenção das áreas verdes nas urbes. Pelo que se sabe, as podas das árvores não são feitas com a frequência necessária e isso é algo muito prejudicial. Sob o meu olhar, mais uma vez, enquanto o paisagismo for visto somente como custo e não como algo vital, inerente à vida (redundantemente falando), dificilmente o quadro atual será modificado. Retomando as palavras do Mancuso, ainda há tempo de revertermos o aquecimento global, mas, para isso, precisamos enxergar que as árvores e as plantas são aliadas do ser humano. Juntos podemos reconstruir os espaços urbanos com a natureza.

RACHEL CASTANHEIRA

@rachelcastanheirapaisagismo

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