Exposição em SP traz espécies da flora brasileira
Na captação de uma imagem, o desenho é muito mais fiel em sua expressão do que o resultado distorcido da lente de uma câmera. Nele, o artista pode deter-se nos detalhes mais importantes, evidenciando-os. Essa comparação, pouco lógica no vasto e genérico mundo das sensações visuais em que programas editores de computador “quase” tudo podem, é necessária e oportuna para dizer que no registro das espécies botânicas, somente o olho humano pode deter-se com vagar no detalhe de um pecíolo, na sombra de uma haste ou nas nuanças de cor de um limbo. Com desenho preciso e delicado Anelise Nunes nos possibilita organizar – ou relembrar – a Natureza disponível aos nossos cegos-olhos-modernos, tão mal-acostumados ao repouso sobre as sutilezas do belo. Darwin, Saint-Hilaire, Humboldt e Rugendas estavam certos naqueles velhos tempos, com a vantagem de não se preocuparem com essas considerações que hoje sinto-me obrigado a fazer. Vivemos na era do flash, antes apenas a da fotografia, já hoje a do cinema, a da Internet, a da absorção nada seletiva das cenas de TV do dia a dia, tudo isso em nome da pressa que tem a vida.
Pois é com o desenho paciente e meticuloso que Anelise nos propõe o caminho inverso, advertindo sobre as espécies ainda vivas, incitando-nos ao ingresso na Natureza, assim como um poeta declara uma paixão inextinguível. E aqui, ilustrando o livro de Cleonice Bourscheid, a missão da artista se completa numa simbiose, numa fórmula nova e muito original: na precisão do detalhe morfológico, o abraço do discurso poético. Olho o desenho delicado de uma flor vermelha, suas extremidades vivas e eriçadas, assemelhadas às penas de um faisão, que vão invadindo o espaço ao seu redor, impregnando-o de uma cor agora menos densa que logo se diluirá em silêncio sobre o vazio do papel, insistindo em permanecer uma figura isolada, solitária como se fosse um único ente no mundo. O que há nisso que tanto possa impressionar? O que existe na mera imagem de uma flor aparentemente estranha, apenas desenhada sobre um suporte? Existe vida, simplesmente. E então volto ao livro de Cleonice – que me toca –, e me toca o poema pela flor de Anelise, e me toca a flor pelo poema de Cleonice, pouco importa agora, pois ambos habitam o mesmo lugar na alma. Desde criança sempre tive fascínio por essas imagens de plantas que recheavam os livros da biblioteca de meu pai, um estudioso do assunto. Pensava em ser pintor, e tornei-me um, pensava em ser escritor, e aos poucos fui assumindo este papel. Mas – confesso – só agora me detenho sobre o fato de que se ainda aspirasse ser poeta, deveria estar mais atento a essas criaturas mais frágeis, as flores, que somente almas privilegiadas como a de Anelise podem desenhar. Passados séculos desde que o estudo da botânica se expressa pelo desenho, deparamo-nos com a bela obra da artista a nos lembrar uma antiga lição de beleza."
Abertura: 20/11/10, às 11h
Visitação: até 16/1/11
Realização: Multiarte
Museu da Casa Brasileira
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2705
São Paulo - SP