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“Estamos longe de regulamentar a profissão de paisagista no Brasil”, afirma presidente da ANP


Fale sobre o seu encontro com o paisagismo e de que forma você assumiu a presidência da Associação Nacional de Paisagismo (ANP)?

  Eu trabalho com paisagismo desde 1986. Comecei a trabalhar na Itália, em Milão. Fui morar lá para estudar paisagismo e depois trabalhei alguns meses em uma empresa de paisagismo. Lá eu comecei a despertar o meu interesse no paisagismo. Gosto muito daquilo que é exótico, raro e que não seja comum. Acho muito interessante a maneira como o europeu lida com a natureza, o cuidado, a atenção, o amor mesmo deles pela natureza. Lá é possível observar vasos maravilhosos, como é o caso do vaso de bananeira, por exemplo. Os europeus têm prazer de ter em sua casa um belo jardim, exuberante, por perto. Lá na Europa, também tive várias experiências com as áreas públicas. Todas essas experiências foram essenciais para que eu tivesse ainda mais certeza de que eu poderia colaborar com o paisagismo, até mais do que a atuação dentro de uma propriedade privada, que possui uma limitação. Eu sempre tive, há muitos anos, vontade de atuar de uma forma mais ampla, no sentido de ajudar a melhorar a convivência das pessoas com a natureza, num sentido mais amplo e não só no meu cliente. O ex-presidente da ANP, Celso Bergamasco, e eu, nos encontramos por acaso no Ceasa e ele ficou me sondando para verificar a viabilidade de eu assumir o lugar dele aqui na presidência, já que o seu mandato estava prestes a terminar. No começo tive certo receio, pois eu considero de certa forma uma responsabilidade enorme. Mesmo assim, decidi encarar o desafio. Fiquei muito contente quando fui indicada para assumir a presidência da ANP. Dessa forma, pude atuar através de uma “macro visão”, desenvolvendo ações coletivas. Realizamos diversas ações na ANP principalmente no sentido sócio-ambiental. Se propagarmos os benefícios que o paisagismo nos proporciona, estaremos difundindo a profissão, naturalmente. 

DSC03513- Quais são as causas defendidas pela ANP?

  A ANP atua desde 1995 e muitas questões ainda não estão resolvidas na área de paisagismo. A primeira que é o gargalo dessa profissão, que já começa pela falta de regulamentação. O paisagismo não é uma profissão regulamentada no Brasil. No meu entendimento, isso acaba servindo de âncora para muitas outras questões. Esse é o primeiro problema que deveria ser solucionado. Serve de âncora por qual motivo? Porque os profissionais que atuam na área de paisagismo, como não há uma regra definida, optam por “criar as suas regras”. Isso divide muito o mercado, criando muitas dúvidas. É um problema para os profissionais que atuam e é um problema para quem contrata. Porque se os profissionais não se entendem, o que dirá de quem não é da área. Acredito que todos os problemas que setor enfrenta, deriva pela falta de regulamentação da profissão. Atualmente temos sim profissionais competentes que atuam na área de paisagismo. Desses profissionais, nós temos paisagistas com formação acadêmica de diversas áreas e alguns até sem formação acadêmica, por incrível que pareça. Muitos desses profissionais que atuam há mais de trinta, quarenta anos atrás, desenvolveram o seu trabalho e aprenderam a atuar no paisagismo “na raça” mesmo, sendo autodidatas. Muito por observação, muito por dom artístico nato, enfim. E mesmo alguns paisagistas sem formação acadêmica, confesso que são muito competentes e não existe a menor possibilidade de dizer que  não são paisagistas, de jeito nenhum. Por outro lado, têm pessoas que acabaram de se formar em algumas áreas que são naturalmente ligadas ao paisagismo e que não sabem nada vezes nada de paisagismo. Como não existe a regulamentação, temos ainda aquele que é o pior dos problemas: que é aquela pessoa que não possui formação profissional em nenhum setor, que acordou de manhã e resolveu que seria paisagista. Eu acredito que o governo e os órgãos competentes devem estar atentos a este fato que é essencial. A meu ver a classe toda de profissionais de paisagismo está sendo desvalorizada. Estamos tentando conversar com o CREA (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo), pois precisamos da ajuda desse órgão, para que todos possam se unir. Neste sentido, também estamos em conversa com a ABAP (Associação Brasileira Arquitetos Paisagistas), para nos unirmos, dessa forma vamos poder delinear uma regulamentação para esta profissão. Por isso devemos estar juntos, para apresentarmos o projeto ao governo, para que possa ser sancionado. Enquanto algumas associações estiverem “puxando sardinha para o seu lado”, o quadro não será revertido.

- Regulamentar a profissão está longe de ser alcançado então?

  Analisando ao longo dos dezesseis anos de atuação da ANP, eu diria que regulamentar a profissão está longe de ser alcançado sim. Há muitos anos estamos dessa forma. Eu acredito que por outro lado, nunca estivemos num momento tão positivo para essa união acontecer. E tenho certeza que a partir do momento que isto acontecer, a regulamentação será um passo seguinte e rápido. Se tivermos um mercado coeso, falando a mesma língua e este mercado inteiro solicitando a mesma coisa, não há por que não sair rápido. Estamos em conversa com o CREA e a ABAP, por isso, acredito que estamos bem encaminhados para a solução deste impasse.

- Existe esta regulamentação em algum país?

  DSC03555Em muitos países sim. Em primeiro lugar eles têm faculdade de paisagismo, que é o primeiro passo para regulamentar a profissão, academicamente falando. Aqui no Brasil, existe uma faculdade que disponibiliza o curso apenas no Rio de Janeiro, que não é reconhecida pelo MEC até onde eu sei. É preciso formar mais cursos universitários de paisagismo. Veja como é importante a regulamentação, se estamos coesos em opinião é muito mais fácil para se fazer uma grade curricular que seja aprovada por todos. Estamos estudando a possibilidade de criar um exame qualificador do profissional de paisagismo, aos moldes do exame da OAB. A ideia é juntarmos a ANP, a ABAP e o CREA, elaboramos o exame, criando uma banca julgadora. Desta forma, o exame terá força no mercado.

 

- Você foi estudar em Milão por não existir o curso de paisagismo aqui no Brasil?

  Exatamente. Fiquei na Europa durante dois anos e fui estudar em Milão, pois não existia o curso aqui no Brasil. Sou formada em artes plásticas pela FAAP, fiz especialização no Istituto Europeo di Design – Milão, Itália. Também tive aulas no viveiro “Manequinho Lopes” (curso de jardinagem) e logo que terminei, estava decidida em estudar em outro país. Além disso, freqüentei como ouvinte, o curso de botânica da USP, onde pedia os livros e referências aos professores com o intuito de adquirir conhecimento em botânica, enfim. Estava procurando um curso mais específico, por isso, decidi ir para Itália. Lá eu fiz o curso de arquitetura de interiores, pois na época, não existia curso para paisagismo – por volta de 1986. Neste curso, também tinha aulas de arquitetura exterior. A partir daí, tive a oportunidade de estagiar em um escritório e trabalhar com projetos. Acredito que inúmeros países da Europa possuem curso regulamentado de paisagismo. As associações européias não delimitam. - Quem é paisagista lá? Quem cursou a faculdade de paisagismo, ou quem faz a faculdade de arquitetura, ou agronomia, ou quem fez uma faculdade de botânica e que comprove que atua na área de paisagismo. Por isso que para nós é interessante essa parceria que estamos iniciando com a ASLA (American Society of Landscape Architects). Logicamente que eles sabem que nós temos arquitetos e não arquitetos associados a ANP.

- O paisagismo vive atualmente o seu melhor momento aqui no Brasil?

  Em termos de crescimento sim. Só não posso afirmar se está em seu melhor momento em termos paisagísticos. Através do aquecimento do mercado imobiliário e da construção civil, que nós estamos vivendo, é evidente que o paisagismo vai continuar crescendo sim. Acho que o paisagismo é uma das profissões mais importantes da atualidade, em todos os sentidos. É, talvez a profissão que tenha mais condição de atuar na sustentabilidade, na melhora da qualidade de vida do cidadão que vive em centros urbanos. O paisagista é responsável por indicar as plantas adequadas para cobrir a “superfície verde de uma cidade”. Plantando uma árvore, ela vai crescer, alimentar os pássaros, contribuir para a fauna da região e por aí vai. Essas atitudes são extremamente importantes. É o paisagista que determina a pavimentação externa das obras, as calçadas, que também podem ser um pavimento drenado, enfim. É uma profissão de extrema importância num momento em que a construção civil está em forte crescimento. E nós temos no mercado, profissionais competentes atuando, porém, também há pessoas que não são competentes. De que forma podemos impedir que profissionais sem o mínimo de qualificação atuem no mercado? Neste momento é muito difícil. Em minha opinião, a criação do exame qualificador poderia atenuar este impasse, “organizando o mercado”.

- Qual a diferença entre a ANP (Associação Nacional de Paisagismo) e a ABAP (Associação Brasileira Arquitetos Paisagistas)?

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  A ABAP é uma associação de arquitetos que trabalham com o paisagismo. No Brasil, a pessoa que cursar arquitetura, terá o seu diploma de arquiteto. Arquiteto paisagista é um anglicismo, porque nos EUA a palavra é landscape architecture, mas nós temos a tradução em português que é paisagismo. Então, você falar paisagismo como arquitetura da paisagem é um anglicismo na verdade. A diferença é que a ABAP só aceita arquitetos, na realidade eles reconhecem como paisagista apenas os profissionais formados em arquitetura. A ANP reconhece como paisagista todo profissional que comprove que atue no mercado profissionalmente de paisagismo. Então, nós temos associados arquitetos que comprovam, agrônomos que comprovam, artistas plásticos, administradores de empresas, que também comprovam, enfim. O paisagista Gilberto Elkis, por exemplo, é administrador de empresas por formação, porém, ele leva o nome do paisagismo brasileiro inclusive para outros países de forma única e acho que pouquíssimos profissionais fazem o mesmo. Sempre solicitamos que os profissionais nos enviem seus trabalhos, para que possamos analisar o "teor de seu conecimento". Temos duas categorias a qual os profissionais podem se associar: uma que é de paisagista e a outra que é jardinista.

Paisagismo*

Função exercida pelo paisagista / arquiteto-paisagista, profissional que cria projetos de áreas verdes, compreendendo todos os aspectos que interferem na paisagem externa às edificações, os espaços abertos (não construídos) e as áreas livres, com função de recreação, amenização, circulação e preservação ambiental, integrando o homem à natureza.

Jardinagem*

Função exercida pelo jardinista, profissional que define, através de projeto ou não, os volumes, as espécies vegetais, assim como os objetos decorativos de um jardim, onde os espaços e suas funções são pré- definidos.

*Fonte: ANP

- Cite alguns nomes de paisagistas que se destacam pelo seu trabalho aqui no Brasil?

   São vários. Acabamos de perder um ícone do paisagismo nacional que é o Fernando Chacel. Atualmente, temos o Gilberto Elkis, o Marcelo Faisal, Benedito Abbud, Rosa Kliass, Raul Pereira, Raul Cânovas, entre muitos outros profissionais que se destacam no mercado nacional e internacional.

- A principal conquista a ser alcançada pela ANP é a regulamentação da profissão de paisagismo. E quais são as principais conquistas que já foram alcançadas por esta associação?

  Tem algumas conquistas que colaboram para que a regularização da profissão seja alcançada. Na realidade são duas: a primeira é o concurso nacional de paisagismo urbano, que completa sua terceira edição neste ano (http://migre.me/4yGuy). O concurso, na nossa visão, é muito importante em muitos sentidos. Primeiro porque ele difunde o paisagismo.

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2º Concurso Nacional de Paisagismo Urbano 2010 - Revitalização da Praça da Liberdade em Ipameri – GO

Percebemos que muitos municípios não têm o hábito de contratar paisagistas, porque muitas vezes não sabem ao menos o que é um projeto de paisagismo. E não são apenas os municípios, observamos essa questão inclusive com grandes construtoras. Muitos ainda confundem projeto de paisagismo com projeto de jardinagem e aí acham que qualquer pessoa pode fazer. Paisagismo ainda é uma profissão nova e no Brasil mais nova ainda. Muitos ainda têm a impressão de que o projeto de paisagismo seja algo caríssimo, o que não é verdade. A outra conquista, são as ações sócio-ambientais que nós estamos fazendo. Nós desenvolvemos uma parceria muito interessante com a Sabesp e com mais algumas empresas, para desenvolver uma ação sócio-ambiental dentro do bairro de Heliópolis, que é uma comunidade muito carente aqui de São Paulo. Através dessas iniciativas, a ANP busca levar e possibilitar a melhora na qualidade de vida das pessoas, através de uma preocupação “macro” em termos urbanos. Uma ação que leva o verde para dentro de Heliópolis beneficia não somente os moradores de lá, mas toda a cidade de São Paulo.

- A ANP promove cursos, workshops, palestras, congressos, debates, entre outras opções aos associados?

  Sim. Esses cursos são na maior parte dos casos, técnicos. Abordamos diversos temas, inclusive através de “mesas-redondas”. Falamos sobre irrigação, poda, drenagem de solo, projeto, novas técnicas de projetos, CAD, como se faz um orçamento, entre muitos outros temas. Vale ressaltar que assuntos que abordam a sustentabilidade estão em alta, paisagismo rural, paisagismo urbano, enfim. Fazemos também visitas técnicas, por exemplo, em viveiro de plantas, parques, como foi o caso do Instituto Inhotim (Brumadinho – MG), que é um lugar maravilhoso e pessoalmente, eu acredito que seja o parque botânico mais importante do Brasil. Outro parque, que é menor, mas que é muito interessante chama-se Amantikir, localizado em Campos do Jordão (SP). No Amantikir é possível visualizar jardins de vários estilos, inclusive de outros países: francês, italiano, inglês, alemão, entre outros. É uma proposta muito interessante.

- Quais são as principais feiras e mostras do setor?

  No Brasil nós temos duas feiras que são muito importantes: a Fiaflora Exporgarden, que ocorre em setembro, e a Garden Fair, que acontece no mês de julho. Já no quesito de mostras, nós temos a Casa Cor e Casa Cor Trio, que não está mais restrita apenas no Estado de SP. Estive presente inclusive na mostra em outros estados e posso afirmar que o nível é altíssimo. Além disso, existe uma feira muito peculiar em Porto Alegre (RS) chamada CAD, que é de arquitetura e design e que também fazem colocações importantes de paisagismo. Eventos como este, funcionam como um verdadeiro “painel” para quem pretende se atualizar sobre as novas tendências do paisagismo, principalmente no quesito residência. Além das feiras e mostras nacionais, o mercado de paisagismo internacional também apresenta inúmeras feiras importantes em inúmeros países, como a Alemanha, Itália, Londres, entre muitos outros. O Chile e a Argentina também apresentam algumas feiras interessantes e que vale a pena visitar.

- Para quem pretende ingressar na área de paisagismo, qual a dica que você deixa para essas pessoas?

 Eu recomendo que pessoa faça alguma faculdade ligada a área, ou arquitetura, ou agronomia, artes plásticas ou botânica. É importante cursar alguma faculdade que possibilite uma boa base de algumas áreas ligadas ao paisagismo. É interessante também que o profissional seja sempre curioso, quanto mais curioso, melhor.

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- Vale à pena escolher o paisagismo como profissão hoje no Brasil?

  Eu sou suspeita para dizer, mas acho que é a melhor profissão que existe (risos). Vale a pena sim, com certeza!

www.anponline.org.br

Imagens: Reportagem Paisagismo em Foco