As dificuldades e os prazeres de ser paisagista na Espanha
Generalife Alhambra
Generalife Alhambra
A população reclama, querem os parques e praças bem cuidados. Os espaços verdes são a terceira exigência do povo espanhol, depois do emprego e da higiene urbana. Nas capitais, 80% da população vive em apartamentos, fazendo com que os jardins públicos sejam o único espaço em que tenham contato com a natureza.
Techos Verdes
Então nos deparamos com os outros 20% da população que tem a sorte de poder contar com um pequeno ou grande terreno para jardinagem. É quando você descobre que a principal exigência dessas pessoas é um jardim que não demande manutenção. Esse critério é seguido pelo desejo de que haja o mínimo consumo de água e que o jardim seja sustentável.
Alcazar Cordoba
Com relação à sustentabilidade e o consumo de água, não devo discutir. Na Espanha, a água é um bem muito escasso. Os verões são excessivamente quentes e secos. Não chove nada de junho a setembro. Três anos atrás, houve uma seca tão grande que, em Barcelona, multavam por regar os gramados. Muita gente perdeu metros e metros de jardim, grama, plantas e árvores.
Mas é preciso ter consciência de que um mínimo de manutenção é inevitável se você quer ter um jardim. Pode-se reduzir muito com algumas estratégias, como mantas anti plantas invasoras, grama artificial, madeira sintética, muito uso de cascalho e pavimentos. Estes artifícios evitam o desgaste de ter que arrancar tanto mato, ter que cortar a grama semanalmente e ter que aplicar óleo as estruturas como decks, pérgulas e treliças. Você, inclusive, instala um sistema de irrigação para que o cliente não tenha que se preocupar em regar. Mas, existem sempre cuidados indispensáveis para com um jardim. Necessidades como adubar, podar, arrancar um matinho que insiste em perfurar a manta, conduzir as trepadeiras, limpar o fundo dos laguinhos e fontes.
Arranjuez
E quando finalmente conseguir driblar tudo isso, convencer o cliente e começar a projetar o jardim, você se deparará com o clima complicado. Um verão que tosta as plantas, sem chuvas, com vários cortes e restrições de uso de água. E um inverno úmido, com geadas que impedirão as raízes destas plantas que sobreviveram ao duro verão, de absorverem a água que está disponível. Tudo isso somado a ventos fortes todo o ano. Uma seleção natural que o obrigará a buscar dentro da infinita variedade de plantas de clima mediterrâneo.
Afortunadamente a falta hídrica, o calor excessivo e o frio intenso e duradouro não eliminam a possibilidade de criar jardins bastante atrativos.
Meu projeto favorito
Existe uma variedade tão grande de plantas resistentes que o surpreendem muito. O único, porém, é que a exuberância das palmeiras tropicais, das bromélias, das orquídeas e samambaias deve ser esquecida. Estas são plantas de interior. Às vezes, gostaria de plantar mussaendas, alpinias, moreias e grama amendoim, tão comuns e ordinárias no Brasil, entretanto são plantas proibidas aqui.
A saudade dos jardins brasileiros se vê compensada pelas surpresas que o reservam os finais de cada inverno. Com os bulbos tão esquecidos salpicando onde não se esperava nada até a primavera estar bem adiantada. Tulipas, convalárias, jacintos... Com a mudança da cor das folhas no outono, amarelas, laranjas, vermelhas. É um espetáculo a queda dessas folhas como se fossem borboletas voando sobre você. Ou uma primavera tão incrivelmente marcada, uma explosão de crescimento vegetal, flores aparecendo por todos os lados, nos quais uma semana atrás só havia ramas secas. A floração dos Prunus, árvores frutíferas de cereja, amêndoa, pêssego e ameixa... Ramas desnudas de folhas e vestidas com flores rosáceas e de aroma convidativo.
Alcazar Cordoba
Uma pena é que ainda falta muito para a cultura do paisagismo e jardinagem serem valorizadas na Espanha. Os jardins privados ainda são considerados como uma forma de desperdiçar dinheiro por muitas pessoas. E, por isso, não valorizam a inversão que estão fazendo, veem um jardim como um artigo de luxo e se esquecem de que estar perto da natureza é mais que uma necessidade.
Parque Guell
Diferente de Londres onde os vizinhos disputam para ver quem tem o jardim mais bonito ou maior, na Espanha, essa cultura é para poucos. Os parques e praças são bem-vindos, mas os jardins particulares, por mais funcionais que sejam, ainda são vistos como parafernália estética.
Retiro
Nada que não se ajeite com o tempo. Estamos aqui, tratando de convencê-los de que não existe nada melhor que ter um pedacinho de verde em casa. Um pedacinho do seu próprio paraíso.
Serra de Madrid
Sobre - *Monique Briones
Cursou Agronomia na UNESP de Botucatu.
Cursos de paisagismo na ESALQ - USP e no IBRAP.
Especializada em paisagismo na UPV - Universidad Politécnica de Valencia, e na KLC School of Design de Londres.
Trabalha com desenho de jardins desde 1996.
Desde 2005 atua na Espanha para aprender mais sobre jardins mediterrâneos, onde acabou criando raízes. Atualmente, executa projetos através de sua empresa: Estúdio de Paisagismo La Paisajista, em Madrid.
A paisagista conta com projetos realizados em São Paulo, Barcelona, Valência, Ibiza, Madrid, e Londres, alguns dos quais, publicados em importantes revistas européias.
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